segunda-feira, 6 de junho de 2011

Globos verdes cômicos indefinidos

Chegou a casa dizendo não querer respostas: - Perguntas, perguntas! Vocês me deram tantas respostas que só sei fazer perguntas!
Poesia além, carne e osso, manhãs de letras, poemas madrugadas, fixo olhar dormia delírio.
Falava às paredes e só os vizinhos ouviam. Um deles aconselhou: - Minha filha, por favor, procure um médico...
Entregou-lhe um cartão que dizia: Dr. Cronópio – psicanalista.
Sentou-se no vaso onde comumente dormia após ler alguns gibis, e com o cartão na mão indagou: - Cronópio? – Nome legal. Vou lá...
Mas não vou engolir nada. Pensou repetido (confusa entre psiquiatria e psicanálise). Colecionava inventadas expressões, e resolveu visitar tal cartão apenas respondendo-lhe tais frases.

A clínica ficava numa casa que ninguém daria por habitável, candelabros de teias, fotos foscas na parede – casulos; nada limpo a parte da coleção de corujas (Em todos os materiais; mármore, madeira, pedra sabão, palo-santo, durepox, etc.) No terreno um matagal, no banheiro uma banheira de livros, e uma mesa... Tão evidente desleixo que em vez de tornar-se macabro, era cômico lugar.

(Martina): - Olá, semideus! (Como quem vê um amigo de anos)
(Cronópio): - Oi, Martina, o que te traz até aqui?
(Martina): - Vim como um acorde no fim da noite.
(Cronópio): - Como você acordou hoje?
(Martina): - Acordei com todos os pés que restavam.
(Cronópio): - E o que te trouxe até aqui?
(Martina): - Teu nome soa a incerteza.
(Cronópio): - Como assim?
(Martina): - Como é quando...
(Cronópio): - O que você precisa para viver, Martina?
(Martina): - Para ser é preciso fingir.

Cronópio, talvez rompendo ética, justificando o estado de sua casa, pergunta: - O que você acha dos hospícios, Martina?
(Martina): - Os hospícios são replicas da sociedade. Só que menores.

Algo ansioso, dada a resistência de Martina ao diálogo, resolve investir de outra forma.
(Cronópio): - Você quer ouvir uma história que mudou minha concepção sobre os movimentos literários? Sobre o decadentismo, por exemplo...

Martina pensativa anestesia as respostas memorizadas, e, curiosa, silencia para escutar o homem. A escuta torna-se recipiente.

- Na época da faculdade levantei pela manhã cedo. Morava do outro lado da ponte e tinha aula às oito. Com pressa, saí de casa disposto a comer naquela padaria da esquina – um pingado e um pão na chapa – só para tapear. Observando a rua, cada vez mais ruidosa, vejo um tipo aproximando-se. Óculos escuros, e manco passo. Eram aquelas padarias de balcão, antigas; as mulheres descascavam batatas pro almoço e o dono acordava depois de tudo. Quem chegava por ali, empapuçava de doce o café numa proporção metade café – metade açúcar. Lugar decadente, em energia e simbolismos. No bar, as bebidas possuíam cor de inseto, e o cara manco de óculos escuros, pediu a mais barata cor de barata: - Um copo, senhora! ; na verdade, acho que ele apenas apontou pra garrafa... E eu, já atrasado, vi aquele homem engolir o decadentismo num único gole – copo inteiro às oito da manhã.

(Martina): - Como você sabe que gosto de literatura?
(Cronópio): - Tuas respostas são escritos.
(Martina): - Você também escreve?
(Cronópio): - Escrevo, mas escrever é perigoso... Desde que comecei a trabalhar larguei praticamente a imaginação, a verve criativa...
(Martina): - Cronópio, vamos montar um grupo de contistas?!
(Cronópio): - Vamos, Martina, claro, por que não?




Saiu, comprou tinta, multicoloriu as paredes. Encontrou respostas e perguntas no ato de pintar. Só não teve escada para o teto, e não soube para quem sorrir. Como já disse uma amiga minha: “Destino e acaso são a mesmíssima coisa”.
Cronópio escreveu seu primeiro conto de ficção científica, e o remanso que lhe trouxe a remota lembrança de que quando mais jovem queria ser escritor, mudou seu método de análise – introduziu a arte literária no tratamento psicanalítico, e o diâmetro da loucura ganhou vazão na leitura.

Leitura, leitura... Do vento, da poeira, das paredes, do teto, de uma pessoa...










6 de junho de 2011,

Arthus Fochi

Um comentário:

  1. Hermoso relato hermano! Conmovedor.. Gracias por tu generosidad, fuerte abraço!

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