sábado, 16 de julho de 2011

Patinando sextas-feiras

Tarde de sexta encontrou antigo amor na praça. Tocava um blues daqueles harmonia tradicional, e os ambulantes se estressavam com o choque de ordem. Não era um clima propriamente convidativo ao flerte. Jairo conversava com Iris e tudo bem, nada muito estranho, conversas sobre as últimas conversas. Ligaram pra casa de Beatriz e não, essa noite era descanso.


Então, atravessaram a Pinheiro Machado – Iris tranqüila, satisfeita com seu quarto vazio. Jairo relutante, olhando os nomes no celular a procura de um gozo vazio. Despediram-se na esquina de uma rua erma, onde costumava haver uma banquinha de PF´s nos almoços desesperados: - Você tá bem? Tô sim... Cheia de pathos.


Aquele olhar de quem queria o mesmo um pro outro e tchau.


Daí chegou a casa, entrou onde todo mundo está, e achou Julio eloqüente: - Claro! Por quê não? Vamos à festa! Subiram a favela num táxi. Julio não controlava as conversas inconvenientes. Aliás, essa palavra lhe fugiu do dicionário antes de qualquer outra, digo sobre o controle, porque a conveniência é individual.


- Não, cara! Se você entra na favela, não tem grilo de sair! Você foi lá levar uma moradora, isso eles respeitam! - falando pro taxista.


- Meu filho, é crack... Causa prejuízo até praqueles que vendem.O cara que vende, começa a ficar viciado em crack: Já era, tiram ele do trabalho. - o taxista dizendo pra ele.


Uma moto esquizofrênica passa, golpeia o vidro, o motorista baba iradamente. Mas nada, saltam, e pelas vielas até chegar. Casa cheia, um amigo na discotecagem, extrangeiros curtindo o visual da favela e o sexo convidado, e Jairo ali querendo lutar contra a bebida.



- Não vou beber que vai me resultar melhor...


Julio logo compra duas garrafas, e Jairo fica de convite na mão, olhando pras mulheres dançando e aquele mar de lábios fulgentes. Uma conversa sobre a origem da matemática os distrai, mas nada que a vontade de mijar não recoloque no corpo o impulso primitivo: sexo. Todos se lambem no olho, e vago o que foi ali filosofar. Filosofa-se melhor depois de um prazer aterrador, de um gosto gritado. Dança, dança, dança, “sorriso do corpo”. Movimento. Corpo e espaço. Mente. O tesão. Cerveja, cerveja, cerveja. Previsibilidade dos passos, e Julio nomeia tudo. Saem os amigos por último, depois da política e da sinestesia. O caminho de volta conversado em espanhol encurta a distância: - cuerpo, mente... Ya no sé, a veces...


A Kombi desce a ladeira lotada. Jairo e Julio ficam, sentados, fumando o último cigarro filado. Filam mais uma caipirinha na garrafa descartável do maroto e bêbado morador, quando descem duas mulheres certeiras quão as estúpidas frases de Julio: - Xoxota! Xoxota! Gritou da calçada. E não é que as mulheres riram, olharam, se espantaram... E o morador disse: Vai lá! Vai lá! – numa risada voluptuosa. E foram rindo, loucos, quase rolando, ou de falo falando. Descobriram que elas estavam de carro, e levavam eles pro Andaraí. Tá certo, mas antes paramos para comprar um cigarro, vai? E outras cervejas.


E as mulheres riam, e tudo os olhares molhavam. E o prazer garantido deixava Julio burro: - Se vocês quiserem, eu posso lhes aplicar um sexo oral... Santa madrugada faz Julio calar a boca! Jairo querendo controlar, pois se tem o controle ou se está tentando ter, como diria um astronauta – queria todos em regozijo, fluídos e cobertos de suor. Mas Julio estava querendo o mesmo conflito tonto dos dias presentes, e queria a mesma mulher que Jairo, até que a menos altaneira despediu-se.


Não havia lugar. Julio disse: - vocês dois podiam se beijar para eu ver, gosto de ser voyeur. Jairo beija a mulher, mas dali em diante o narrador perde a memória. Sabe-se que os dois andaram sozinhos voltando pra casa, pra não sei onde, olhando em volta sem referências, até encontrarem um vendedor de café que lhes ofereceu atenta conversa, um café, uns cigarros, e umas palavras confortáveis com a direção do metrô. No caminho passaram numa praça e contemplaram o chafariz e o sol batendo n´agua, e o barulho da cidade misturado ao som das gotas jorradas.


Voltou a narrativa, essa parte é interessante. No metrô Jairo estava revoltado por não haver transado, certamente mais irresoluto com o fato de não ter deixado Julio sozinho voltar pra casa como que se colocando em seu lugar – empatia com o amigo, afinal estava ali por conta dos berros loucos: - Xoxota! Xoxota!


Sete da manhã, lugar cheio, todos ao trabalho, e os dois bêbados, quase nadas depois de uns pães de queijo. Duas meninas, belas ou de energia similar a deles, no vagão. Jairo olha o amigo de sacanagem gestualizar. E foi Julio sentar do lado de uma delas, e Jairo rir como um mosaico. Parte da obra de ironia aborreceu Julio que mudou de vagão de súbito e deixou ali aquele riso sem sentido. Era impossível o verbo fitar; olho não chão, trabalho, a manhã acordava martelando e cravava uma disputa qualquer na mente dos transeuntes. A madrugada terminou na padaria, depois do encontro na estação final da patafísica.



Gismarte Saturno

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