O baile das montanhas
domingo, 31 de março de 2013
segunda-feira, 11 de junho de 2012
II
a mesma chuva
sábado, 21 de janeiro de 2012
Nos meus devaneios
Há
uma saudade de casa
Que finda no ver do horizonte
De cá, de onde estou, irmãos
Pois sim, conhecer nunca é demais
E juntar-se, na mesma indignação
Nos impele o capataz: Tempo.
Que ganas! Temos de unir os continentes.
Imagino as cores desta nostalgia
Com a alegria da varanda
Imagino os ritmos destas avenidas
Com as vossas cantorias
E que algo me conte mesclas:
Vento tropical,
Por que não passas agora
E me aqueces os pés?
Se a colheita é sazonal,
Por que não mostra-nos
O poder de reservar?
Tempo, se atento
Sinto sol quando chuvo
E todo o revés
Dos malditos
Deixa claros e escuros
Luas, praias, gentes de candura
Muitos sóis
Em todo passo à paisagem
Seja nenhuma paragem
A última ou prima
Hora, na amplidão
Vivamos sem freios
No fundo do que toco
Há uma saudade infinda
De cá, de onde estou, irmãos
Nos meus devaneios
Em Alfama, Lisboa.
sábado, 16 de julho de 2011
Patinando sextas-feiras
Tarde de sexta encontrou antigo amor na praça. Tocava um blues daqueles harmonia tradicional, e os ambulantes se estressavam com o choque de ordem. Não era um clima propriamente convidativo ao flerte. Jairo conversava com Iris e tudo bem, nada muito estranho, conversas sobre as últimas conversas. Ligaram pra casa de Beatriz e não, essa noite era descanso.
Então, atravessaram a Pinheiro Machado – Iris tranqüila, satisfeita com seu quarto vazio. Jairo relutante, olhando os nomes no celular a procura de um gozo vazio. Despediram-se na esquina de uma rua erma, onde costumava haver uma banquinha de PF´s nos almoços desesperados: - Você tá bem? Tô sim... Cheia de pathos.
Aquele olhar de quem queria o mesmo um pro outro e tchau.
Daí chegou a casa, entrou onde todo mundo está, e achou Julio eloqüente: - Claro! Por quê não? Vamos à festa! Subiram a favela num táxi. Julio não controlava as conversas inconvenientes. Aliás, essa palavra lhe fugiu do dicionário antes de qualquer outra, digo sobre o controle, porque a conveniência é individual.
- Não, cara! Se você entra na favela, não tem grilo de sair! Você foi lá levar uma moradora, isso eles respeitam! - falando pro taxista.
- Meu filho, é crack... Causa prejuízo até praqueles que vendem.O cara que vende, começa a ficar viciado em crack: Já era, tiram ele do trabalho. - o taxista dizendo pra ele.
Uma moto esquizofrênica passa, golpeia o vidro, o motorista baba iradamente. Mas nada, saltam, e pelas vielas até chegar. Casa cheia, um amigo na discotecagem, extrangeiros curtindo o visual da favela e o sexo convidado, e Jairo ali querendo lutar contra a bebida.
- Não vou beber que vai me resultar melhor...
Julio logo compra duas garrafas, e Jairo fica de convite na mão, olhando pras mulheres dançando e aquele mar de lábios fulgentes. Uma conversa sobre a origem da matemática os distrai, mas nada que a vontade de mijar não recoloque no corpo o impulso primitivo: sexo. Todos se lambem no olho, e vago o que foi ali filosofar. Filosofa-se melhor depois de um prazer aterrador, de um gosto gritado. Dança, dança, dança, “sorriso do corpo”. Movimento. Corpo e espaço. Mente. O tesão. Cerveja, cerveja, cerveja. Previsibilidade dos passos, e Julio nomeia tudo. Saem os amigos por último, depois da política e da sinestesia. O caminho de volta conversado em espanhol encurta a distância: - cuerpo, mente... Ya no sé, a veces...
A Kombi desce a ladeira lotada. Jairo e Julio ficam, sentados, fumando o último cigarro filado. Filam mais uma caipirinha na garrafa descartável do maroto e bêbado morador, quando descem duas mulheres certeiras quão as estúpidas frases de Julio: - Xoxota! Xoxota! Gritou da calçada. E não é que as mulheres riram, olharam, se espantaram... E o morador disse: Vai lá! Vai lá! – numa risada voluptuosa. E foram rindo, loucos, quase rolando, ou de falo falando. Descobriram que elas estavam de carro, e levavam eles pro Andaraí. Tá certo, mas antes paramos para comprar um cigarro, vai? E outras cervejas.
E as mulheres riam, e tudo os olhares molhavam. E o prazer garantido deixava Julio burro: - Se vocês quiserem, eu posso lhes aplicar um sexo oral... Santa madrugada faz Julio calar a boca! Jairo querendo controlar, pois se tem o controle ou se está tentando ter, como diria um astronauta – queria todos em regozijo, fluídos e cobertos de suor. Mas Julio estava querendo o mesmo conflito tonto dos dias presentes, e queria a mesma mulher que Jairo, até que a menos altaneira despediu-se.
Não havia lugar. Julio disse: - vocês dois podiam se beijar para eu ver, gosto de ser voyeur. Jairo beija a mulher, mas dali em diante o narrador perde a memória. Sabe-se que os dois andaram sozinhos voltando pra casa, pra não sei onde, olhando em volta sem referências, até encontrarem um vendedor de café que lhes ofereceu atenta conversa, um café, uns cigarros, e umas palavras confortáveis com a direção do metrô. No caminho passaram numa praça e contemplaram o chafariz e o sol batendo n´agua, e o barulho da cidade misturado ao som das gotas jorradas.
Voltou a narrativa, essa parte é interessante. No metrô Jairo estava revoltado por não haver transado, certamente mais irresoluto com o fato de não ter deixado Julio sozinho voltar pra casa como que se colocando em seu lugar – empatia com o amigo, afinal estava ali por conta dos berros loucos: - Xoxota! Xoxota!
Sete da manhã, lugar cheio, todos ao trabalho, e os dois bêbados, quase nadas depois de uns pães de queijo. Duas meninas, belas ou de energia similar a deles, no vagão. Jairo olha o amigo de sacanagem gestualizar. E foi Julio sentar do lado de uma delas, e Jairo rir como um mosaico. Parte da obra de ironia aborreceu Julio que mudou de vagão de súbito e deixou ali aquele riso sem sentido. Era impossível o verbo fitar; olho não chão, trabalho, a manhã acordava martelando e cravava uma disputa qualquer na mente dos transeuntes. A madrugada terminou na padaria, depois do encontro na estação final da patafísica.
Gismarte Saturno
quarta-feira, 29 de junho de 2011
segunda-feira, 6 de junho de 2011
Globos verdes cômicos indefinidos
Poesia além, carne e osso, manhãs de letras, poemas madrugadas, fixo olhar dormia delírio.
Falava às paredes e só os vizinhos ouviam. Um deles aconselhou: - Minha filha, por favor, procure um médico...
Entregou-lhe um cartão que dizia: Dr. Cronópio – psicanalista.
Sentou-se no vaso onde comumente dormia após ler alguns gibis, e com o cartão na mão indagou: - Cronópio? – Nome legal. Vou lá...
Mas não vou engolir nada. Pensou repetido (confusa entre psiquiatria e psicanálise). Colecionava inventadas expressões, e resolveu visitar tal cartão apenas respondendo-lhe tais frases.
A clínica ficava numa casa que ninguém daria por habitável, candelabros de teias, fotos foscas na parede – casulos; nada limpo a parte da coleção de corujas (Em todos os materiais; mármore, madeira, pedra sabão, palo-santo, durepox, etc.) No terreno um matagal, no banheiro uma banheira de livros, e uma mesa... Tão evidente desleixo que em vez de tornar-se macabro, era cômico lugar.
(Martina): - Olá, semideus! (Como quem vê um amigo de anos)
(Cronópio): - Oi, Martina, o que te traz até aqui?
(Martina): - Vim como um acorde no fim da noite.
(Cronópio): - Como você acordou hoje?
(Martina): - Acordei com todos os pés que restavam.
(Cronópio): - E o que te trouxe até aqui?
(Martina): - Teu nome soa a incerteza.
(Cronópio): - Como assim?
(Martina): - Como é quando...
(Cronópio): - O que você precisa para viver, Martina?
(Martina): - Para ser é preciso fingir.
Cronópio, talvez rompendo ética, justificando o estado de sua casa, pergunta: - O que você acha dos hospícios, Martina?
(Martina): - Os hospícios são replicas da sociedade. Só que menores.
Algo ansioso, dada a resistência de Martina ao diálogo, resolve investir de outra forma.
(Cronópio): - Você quer ouvir uma história que mudou minha concepção sobre os movimentos literários? Sobre o decadentismo, por exemplo...
Martina pensativa anestesia as respostas memorizadas, e, curiosa, silencia para escutar o homem. A escuta torna-se recipiente.
- Na época da faculdade levantei pela manhã cedo. Morava do outro lado da ponte e tinha aula às oito. Com pressa, saí de casa disposto a comer naquela padaria da esquina – um pingado e um pão na chapa – só para tapear. Observando a rua, cada vez mais ruidosa, vejo um tipo aproximando-se. Óculos escuros, e manco passo. Eram aquelas padarias de balcão, antigas; as mulheres descascavam batatas pro almoço e o dono acordava depois de tudo. Quem chegava por ali, empapuçava de doce o café numa proporção metade café – metade açúcar. Lugar decadente, em energia e simbolismos. No bar, as bebidas possuíam cor de inseto, e o cara manco de óculos escuros, pediu a mais barata cor de barata: - Um copo, senhora! ; na verdade, acho que ele apenas apontou pra garrafa... E eu, já atrasado, vi aquele homem engolir o decadentismo num único gole – copo inteiro às oito da manhã.
(Martina): - Como você sabe que gosto de literatura?
(Cronópio): - Tuas respostas são escritos.
(Martina): - Você também escreve?
(Cronópio): - Escrevo, mas escrever é perigoso... Desde que comecei a trabalhar larguei praticamente a imaginação, a verve criativa...
(Martina): - Cronópio, vamos montar um grupo de contistas?!
(Cronópio): - Vamos, Martina, claro, por que não?
Saiu, comprou tinta, multicoloriu as paredes. Encontrou respostas e perguntas no ato de pintar. Só não teve escada para o teto, e não soube para quem sorrir. Como já disse uma amiga minha: “Destino e acaso são a mesmíssima coisa”.
Cronópio escreveu seu primeiro conto de ficção científica, e o remanso que lhe trouxe a remota lembrança de que quando mais jovem queria ser escritor, mudou seu método de análise – introduziu a arte literária no tratamento psicanalítico, e o diâmetro da loucura ganhou vazão na leitura.
Leitura, leitura... Do vento, da poeira, das paredes, do teto, de uma pessoa...
6 de junho de 2011,
Arthus Fochi